O Primeiro Vestuário dos Ouvidos
As máquinas audiometricas Inglesas, bastante desenvolvidas, invadiram os meus ouvidos e encontraram assim o meu mundo silencioso que se encontrava oculto. Uma vivalma de sons. As minhas células de audição, localizadas no “caracol” interior do ouvido, estavam destruídas ou queimadas pelo vírus que surgira durante o processo de gravidez. Qual vírus, não se sabe. Desconhece-se o microrganismo por não ter deixado o seu rasto.
Os meus pais estavam sentados, agarrados um ao outro, o forte braço paterno sobre o ombro delgado materno, ambos fitando o médico otorrino, vestido de bata branca impecavelmente engomada, que observava com um ar sério os registos obtidos dos exames.
Por fim, dando um suspiro, o médico levantou os olhos do papel e olhou-os de frente. Falou em inglês:
— A vossa filha é surda profunda, com uma perda auditiva muito elevada em ambos os ouvidos. — deixou uma pequena pausa para que os pais assimilassem a verdade.
— Haverá alguma solução para que a nossa filha possa recuperar uma audição perdida? Será possível o milagre de uma cirurgia? Ou a ajuda de próteses auditivas? — interrogou o meu pai.
— Recuperar uma audição completa na vossa filha é uma hipótese nula. Não há nada a fazer em relação à cirurgia porque a vossa filha apresenta muitas células auditivas mortas. Quanto às próteses, poderão ajudá-la mas apenas um pouco, captará somente ruídos indefinidos.
— Quer dizer que a nossa bebezinha nunca será uma ouvinte como nós?
— Exacto. É uma surdez que será permanente. Neste momento, não há esperanças de cura. Lamento muito… Mas, do ponto de vista da reabilitação, há muitas possibilidades de progresso se ela for bem acompanhada a partir de agora…
A limitação dos aparelhos não impediu os meus pais de os aceitar. Queriam, pelo menos, clarear a escuridão do meu profundo silêncio, por muito pequena fosse a luz sonora, quase como uma faísca. Para eles, era melhor que nada. Viam o silêncio como sem respiração, algo de que não conseguiam imaginar, que os sufocava. Eles próprios sabiam o quanto era maravilhoso escutar imensos sons e queriam conceder-me esta beleza.
E assim, os dedos longos e pálidos do médico inglês colocaram as primeiras próteses auditivas nos meus ouvidos. Eram aparelhos bastante notórios. Pareciam dois botões. Cada um deles saía um fio e ambos se uniam no meu pescoço formando num só fio, que iria parar a uma caixa metálica que servia de comando exterior. Colocaram uma pequena bolsa preta ao meu peito para proteger este comando.
(Vagueio num baú de memórias e não encontro aquela sensação nova dos primeiros sons que me preencheram, do primeiro formigueiro sonoro que me invadiu… Não me recordo. Eu era um bebé. Foi, na companhia destes novos objectos, que comecei a dar os primeiros passinhos!)