terça-feira, outubro 25, 2005

A Leitura Labial em Espectro

A leitura labial, em vulto transparente e assexual, interroga-se o que sabem dela. Estende-vos os seus fios de visão para vós os agarrarem e se introduzirem com ela para dentro de uma viagem virtual.

Os seus fios projectam imagens como cenas de um documentário, mostrando uma variedade de bocas e, todas elas são diferentes umas das outras, diferentes como são desenhadas as feições das pessoas. Os lábios, que pronunciam uma idêntica palavra, movem-se contraditórios e, por vezes, surpreendentes. Cerrados, abertos, tortos, complicados, agressivos, doces, molhados, secos… Os dentes são grandes ou pequenos, inclinados ou direitos. As línguas são mais ou menos rosadas e flexíveis. É em conjunto que se reproduz uma mensagem oral em carne viva.

A aprendizagem da leitura não se completa de um dia para outro, mas sim com o divagar do tempo. É necessário estudar tudo o que constitui aquela boca e como esta se espreme e se transforma ao articular as sílabas. Ninguém lhe ensina, ela é que se aprende por si sozinha, com treino diário e persistência.
A leitura labial só amadurece saudável numa estreita relação de comunicação onde reflecte luz de paciência e cores de afecto. Mesmo assim, apresentará sempre algumas mas pequenas dificuldades o que implica as repetições orais.

Os pesadelos da leitura labial são as bocas de ventríloquo e as palavras sósias. O que são estas palavras?

Ponham-se em frente do espelho e observem os vossos lábios reflectidos. Evitem as cordas vocais e mexam apenas os lábios: bata/pata /mata; chá/já. Viram a diferença? São palavras em que as ondulações labiais são gémeas. Há nelas veneno…
Imaginem, uma frase que é um muro construído por pedras enormes. Se uma destas pedras tiver uma forma geometricamente errada (por exemplo, uma forma de pirâmide em vez de cubo), o muro desequilibra-se e desfaz-se em bocados. Deixa de ser um muro correcto. As palavras sósias transmitem uma mensagem errada, dão um sentido errado ao contexto. Isto é usual e frequente acontecer.

domingo, outubro 16, 2005

O Terror dos Dentes Colados


O olhar vítreo da Professora, enquanto abria o livro de ponto, bailava por todas as direcções da sala. Até os cantos atingia. Os seus dedos papudos tocavam levemente cada linha horizontal pincelada de substantivos próprios. Andava à caça de alunos “baldas”.

Logo a seguir, endireitava-se numa posição autoritária com os olhos negros que faiscavam “silêncio absoluto”! Passados segundos, pronunciava os nomes completos dos alunos. Os indicadores dos presentes furavam a atmosfera com uma descontracção notória, quando o seu nome era soado.

Eu encontrava-me sentada na primeira fila, a meio metro de distância da professora, para ver nitidamente cada músculo rosado dos seus lábios e da sua língua.

À medida que ela fazia a chamada, eu estremecia toda como a gelatina. Aqueles lábios eram o meu terror! Não se mexiam. Via-se apenas uma massa uniforme e branca como se os dentes estivessem colados.

Contudo, fazia um esforço tremendo para os ler, mesmo que este esforço fizesse com que os meus olhos ardessem.

De repente, ainda estava concentrada a fazer leitura labial, recebia um bombardeio de dedos apontados para mim!
- Quem?!
Todos olhavam na minha direcção afirmando que o meu nome inteiro tinha acabado de ser pronunciado, e eu não conseguira “ver” nem sequer a primeira sílaba…

A Professora tinha lábios de ventríloquo, impossíveis para leitura labial.

domingo, outubro 09, 2005

Espiral de Incertezas


Desde o início do Outono até agora, tenho tropeçado em vários buracos de desolação, de nervos, de insegurança… Quase me afundei dentro dos lençóis do isolamento, quase esquecendo de mim própria…

Ando perdida algures no meu oceano interior. O meu Eu movimenta-se em forma de binóculos à procura de um bom porto. Um porto iluminado de objectivos para a minha realização pessoal. Porque é que estou aqui? É isto que eu quero? O que tenho que fazer? Porque é que não consigo enfrentar o que está mal ou o que é injusto? Apenas me limito ao silêncio, ao acumular das frustrações… Porque é que o medo me paralisa e me impede de reagir quando as coisas não estão correctas? Onde está a força, aquela luz de outrora?

As minhas incertezas nadam em espiral, causando-me vertigens. Quando é que desapareçam? Quando chega a serenidade espiritual?