terça-feira, agosto 08, 2006

O Primeiro Voo Literário

foto retirada daqui

Abri, ansiosa, um dos livros da colecção “Os Cinco”, cujo título não me recordo.

Estava pronta para viajar pelo mundo imaginário, voando sobre o tapete de letras, com um dicionário, um papel A4 e um lápis afiado.

Pus-me a engolir, a saliva quase não escorregava, de tão ressequida e inchada estava a minha garganta. Será que vou conseguir? O martelar curioso e incentivo dos meus 12 anos dizia que sim, que esse dia era propício para o meu início à leitura.

Comecei a ler devagarinho sob um silêncio palpitante. Uma palavra. Mais outra. Tantas novas! Desconhecidas, no entanto, belas com a sua aura de mistério!

Aos meus olhos, o livro parecia uma mãe grávida de bebés linguísticos. E, um dicionário, um guarda-roupa de significados para estes bebés.

Um bebé “Infelizmente”. Eu sabia qual era o termo de “infeliz”. Mas, juntando com “-mente”, já a frase distorcia-se, perdendo todo o seu sentido. Este bebé linguístico foi então retirado da página e colocado no berçário que era o papel A4. Fui ao dicionário buscar o seu vestuário e… não havia! A nudez do “infelizmente” fez-me doer e não resisti a pedir explicações à minha irmã.
— Mana, o que quer dizer “Infelizmente”?
— Quer dizer… por exemplo…— ela demorava a pensar, a arranjar um bom exemplo: — Infelizmente, não vamos à praia porque está a chover.
— Sim. Eu entendo a frase, mas ainda não percebo “infelizmente”.
— Isto quer dizer, queremos muito ir à praia mas não podemos. Dizemos “infelizmente” quando queremos muito uma coisa e acontece o contrário.
— Já percebi!
Aquela frase com “infelizmente” provocou de imediato uma luz.

Outro bebé: “desvendar”. Mais um berço a preencher no berçário fininho e branco. E logo vestia o recém-nascido: “descobrir”.

Em cada minuto, saltava do livro para dicionário, depois para o papel e de volta ao livro. Apesar destas incontáveis interrupções, aterrei bem ao lado dos famosos Cinco para partilhar aventuras. Ora ria-me, ora assustava-me, entre outras e novas emoções. Tornei-me fã da Zé e do seu cão Tim.

O primeiro livro foi uma montanha escarpada, o segundo passou a ser um planalto e, finalmente, os últimos passaram a ser terrenos planos com os conceitos linguísticos já bastantes maduros e conhecidos.

terça-feira, agosto 01, 2006

A Comédia das Palavras Sósias…

Foto by Judith Tomaz

O calor escorre sobre as paredes brancas, tornando-as pesadas. As correntes ondulantes e silenciosas vindas de uma ventoinha e os cortinados corridos não conseguem arrefecer o ambiente da Sala.

A minha irmã e eu estamos sentadas na mesa rectangular, a almoçar, com a roupa irremediavelmente colada ao corpo, iluminadas apenas pelos reflexos coloridos da televisão acesa. À nossa frente, está uma taça fresca a transbordar de esparguete e camarão. A seu lado ergue-se uma garrafa de sidra bem gelada.

Perante este quadro alimentar refrescante, a minha irmã lembra-se de uma nova novidade. Como uma criança pequena, que acaba de fazer uma descoberta fabulosa, anuncia-me agitada atropelando as palavras:
- Ontem, fiz sumo de melancia!
- Ai, sim? Estive quase para trazer o “Supremacia” mas, como pensei que já é antigo e já devias ter visto, não trouxe. – Respondi totalmente convicta da leitura que fizera dos lábios dela.

O rosto da minha irmã contorceu-se, desenhando traços confusos, como se tivesse acabado de ver uma anomalia: bolas de neve a caírem num dia de calor sem nuvens… Expulsa, então, da sua boca, interrogações de incompreensão:
- O quê? Estás a falar de quê?
- Então? Ontem, viste o “Supremacia”, não foi?
- Supremacia?!
- Sim, o filme!
- Não! Fiz SUMO DE MELANCIA! – voltou a repetir, pausadamente, separando palavra a palavra, abrindo muito a boca e, desta vez, li tudo nitidamente.
- Ah! Tinha percebido mal…

Caímos em risotas, achando ridícula a nossa conversa.


(A minha irmã engolira a palavra “de”, juntara “sumo” com “melancia”, pronunciado numa só palavra “SumoMelancia”, e assim parecera-me “Supremacia”. São as chamadas “palavras sósias” que me enganam com bastante frequência.)