Surdas Profundas e Oralistas
Uma vontade de ferro, que há dentro de mim, impulsiona-me a nadar, persistentemente, usando todos os esforços possíveis, para emergir. Ar puro, tão vívido e fresco, envolve-me! Cuspo a água salgada engolida acidentalmente e respiro profundamente.
Incho de fúria e de indignação até ao limite, dando braçadas e gritando:
Em resposta, o mar ronca ironicamente - Não pode ser! Não é possível! - , ruge gargalhando ondas! Mais uma vez, sou atirada para o fundo abismal.
Neste preciso momento, em que as luzes tempestivas iluminam a escuridão, detecto uma silhueta esguia a furar o mar, formando uma coluna atrás de si. Dirige-se na minha direcção. Uma mão delicada e grande estende-me, agarro-a e sinto um forte puxão que me conduz para o exterior.
Novamente um jacto de água sai da minha boca, tusso para poder respirar. Pestanejo várias vezes para dispersar a névoa que cobria a minha visão. Aos poucos, em câmara lenta, surge um rosto feminino, emoldurado pelos cabelos castanhos, compridos e lisos, com um par de olhos castanhos cintilantes. Que pupilas tão intensas e profundas! Sei imediatamente o que vê e como escuta. Toco na sua bochecha rosada com a minha mão direita, invade-me logo uma sensação protectora e cândida. Sinto, sob os meus dedos, a dimensão do seu Ser, a riqueza do seu Eu, a sua Existência completa… Está dito, visto e inteiramente compreendido. O nosso silêncio comum.
- Tu… também?! - Interrogo oralmente. Uma pergunta curta mas carregada de significado que diz tudo.
As portas da sua mente abrem-se, par a par, e o seu interior faz-me voar como Peter Pan. Visualizo estrelas mágicas que são palavras silenciosas da sua Essência, um círculo de ilhas férteis que são momentos por que enfrentou e sentiu, o rio de Vida transparente e enriquecido que saiu ileso de obstáculos. Após uma viagem em telepatia, aterro-me na realidade.
Ela pronuncia, aquiescendo, oralmente:
- Sim, eu também…
Uma surda profunda como eu! O mesmo código, a mesma comunicação. Uma oralista como eu! Até a educação e a integração são semelhantes. Possui uma cultura tão vasta e rica quanto a minha.
A luz e a força entrelaçam-nos fortemente e juntas rodopiamos até ficarmos suspensas em cima do mar. A agitação da maré começa então a serenar e o Sol, com o seu sopro quente, varre as crueldades da tempestade. Uma brisa sussurrante e reconfortante afaga os nossos rostos molhados e aquece os nossos corações. Acreditamos uma na outra. Somos a mais pura veracidade, somos surdas profundas e oralistas.
Como reflexo da magia do nosso encontro, o arco-íris pincela sobre o painel azulado do céu com as suas aguarelas coloridas: nós existimos. E assim fica gravado. Milhares de gaivotas grasnam aos ventos, levando a nossa mensagem mútua: nós devemos ser respeitadas e os nossos direitos também reconhecidos!