O Primeiro Voo Literário
Abri, ansiosa, um dos livros da colecção “Os Cinco”, cujo título não me recordo.
Estava pronta para viajar pelo mundo imaginário, voando sobre o tapete de letras, com um dicionário, um papel A4 e um lápis afiado.
Pus-me a engolir, a saliva quase não escorregava, de tão ressequida e inchada estava a minha garganta. Será que vou conseguir? O martelar curioso e incentivo dos meus 12 anos dizia que sim, que esse dia era propício para o meu início à leitura.
Comecei a ler devagarinho sob um silêncio palpitante. Uma palavra. Mais outra. Tantas novas! Desconhecidas, no entanto, belas com a sua aura de mistério!
Aos meus olhos, o livro parecia uma mãe grávida de bebés linguísticos. E, um dicionário, um guarda-roupa de significados para estes bebés.
Um bebé “Infelizmente”. Eu sabia qual era o termo de “infeliz”. Mas, juntando com “-mente”, já a frase distorcia-se, perdendo todo o seu sentido. Este bebé linguístico foi então retirado da página e colocado no berçário que era o papel A4. Fui ao dicionário buscar o seu vestuário e… não havia! A nudez do “infelizmente” fez-me doer e não resisti a pedir explicações à minha irmã.
— Mana, o que quer dizer “Infelizmente”?
— Quer dizer… por exemplo…— ela demorava a pensar, a arranjar um bom exemplo: — Infelizmente, não vamos à praia porque está a chover.
— Sim. Eu entendo a frase, mas ainda não percebo “infelizmente”.
— Isto quer dizer, queremos muito ir à praia mas não podemos. Dizemos “infelizmente” quando queremos muito uma coisa e acontece o contrário.
— Já percebi!
Aquela frase com “infelizmente” provocou de imediato uma luz.
Outro bebé: “desvendar”. Mais um berço a preencher no berçário fininho e branco. E logo vestia o recém-nascido: “descobrir”.
Em cada minuto, saltava do livro para dicionário, depois para o papel e de volta ao livro. Apesar destas incontáveis interrupções, aterrei bem ao lado dos famosos Cinco para partilhar aventuras. Ora ria-me, ora assustava-me, entre outras e novas emoções. Tornei-me fã da Zé e do seu cão Tim.
O primeiro livro foi uma montanha escarpada, o segundo passou a ser um planalto e, finalmente, os últimos passaram a ser terrenos planos com os conceitos linguísticos já bastantes maduros e conhecidos.