Meus Dedos em Dança

A sua dimensão era gigantesca face à minha altura de criança. Era um assombro, parecia que, a qualquer momento, ia me devorar como um monstro! Mas o seu mistério içava a minha curiosidade ingénua. Ficava eu a olhar hipnotizada para aquelas barras amarelas e pretas.
A minha mãe, quando tocava, transparecia uma aura de encanto! As suas mãos delgadas e jovens dançavam, com os dedos delirando ao ritmo apaixonante da música, e abanava o corpo com uma elegância e doçura especiais de uma mulher nobre, como as dignas senhoras do século XVIII.
Como não podia deixar de ser, para satisfazer a minha curiosidade, passei a ter lições de piano com a minha mãe. Foi então que me contou os segredos das barras. Cada tecla libertava um som e cada nota musical tinha um nome. Sol, Mi, Fá, Dó, Si, Ré… O lado direito era mais agudo que o do esquerdo. Quão simples isto era!
Recuando para trás, aterro-me numa recordação inesquecível de uma mini-festa.
Aquela menina, com os seus cabelos revoltos de rebeldia, lia os lábios maternos:
- Querida filhota, queres tocar piano para eles ouvirem?
Eles eram os convidados. Pessoas adultas. Como eu tinha medo destes estranhos, eram superiores e sérios, mas o meu orgulho falou mais alto. Queria mostrar que sabia tocar piano! Consenti, movendo a cabeça.
Todos se reuniram no quarto da minha irmã, segurando os copos esguios com champanhe. Alguns esforçavam-se por sorrir para me dar força.
Deslizei e sentei-me no banquinho, em frente do piano, ficando de costas voltadas para os presentes. Devagar, levantei a tampa. Sentia como se o meu coração estivesse na garganta, prestes a sair para o exterior!
Mal pus os dedos a flutuar por cima das barras, os burburinhos das vozes silenciaram-se. Tudo ficou suspenso e a aguardar pela explosão de ruídos.
Os meus dedos, visivelmente trémulos, começaram a dançar, a saltitar de uma tecla para outra. Ora com velocidade, ora com lentidão. Em notas longas ou curtas. Os formigueiros de sons percorriam-me o meu corpo, fazendo com que me embalasse. Por fim, selei a música com um som grave e prolongado até se esfumar o seu eco.
Virei-me e sorri inocentemente, mas o meu sorriso depressa se desvaneceu perante os espectadores… Estavam especados como estátuas de pedra, mudos e em transe. Detectei gotas de água a brilharem à superfície ocular… De repente, a emoção sentida derramou em palmas que me atingiram, que puseram os meus pêlos em pé.
O meu sorriso duplicou, agradecendo ao piano, ao seu poder mágico por levar as pessoas a sentirem assim!
Agora, sei porque é que eles ficaram assim. Não pela música mas por ser eu a tocar. Viram que… “o impossível era possível”.