O Feitiço das Cartas
Encontro-me sozinha, no meu quarto de criança, com a porta trancada e persianas corridas. Estou sentada a fitar as folhas magrinhas, semelhantes a cartas, que estão infantilmente espalhadas sobre a mesa redonda.
Tenho que escrever uma carta para uma pessoa que me é muito querida e que se encontra a mil léguas de mim.
Tudo à minha volta está quieto, não se atreve mexer. Nem sequer uma poeira se levanta. O candeeiro, alto e imponente, verte luz e calor sobre as minhas mãos, ainda pequeninas, pouco desenvolvidas e frágeis, próprias de uma criança com nove anos. A estante, a cama e as paredes observam-me, escutando a minha concentração silenciosa.
Começo a conversar com uma folha branca, como aquela que está pousada à minha frente. Uma conversa somente visual. Acarinho as suas linhas, fazem-me suspirar… Como é tão bom senti-las sob os meus dedos! Tão macias. A cor das linhas, de um azul-arroxeado, atrai-me para a escrita.
A minha mão direita segura um lápis altivo e afiado e, febrilmente, começa a escrevinhar os momentos alegres passados. À medida que a minha caligrafia se forma e se passeia pelas linhas horizontais, desabrocha no meu interior cada cor de felicidade, até se completar num arco-íris. A sensação que sinto, a viagem por entre os símbolos do abecedário, é como se estivesse a voar, a sentir magia! Cada palavra faz-me crescer.
Não deixo as minhas palavras saírem tortas. As vogais têm de ser bem redondas e as consoantes bem delineadas. Têm que ser tratadas como um gato mimado.
Ao fim de uma hora, termino a carta, redigida com muito esforço por me faltarem milhares de vocábulos. Saio do meu quarto com três folhas, preenchidas pela grafite, e corro para mostrá-las à minha mãe.
– Mamã!! Tenho a carta para veres se está bom!
(Este é um dos maravilhosos episódios da minha infância. Com esta idade, já escrevia cartas quase todos os dias. Com prazer. Como se a escrita fosse o meu melhor brinquedo! Quando via erros, nunca parava ou desistia. Embora me fizessem doer, aceitava-os para escrever cada vez melhor. Desde muito cedo, aprendi a sua importância .)
13 Comments:
Querida SilenceBox, gostei muito de ler este texto grandioso, fiquei maravilhada com o teu relato veridico de infância :)
Tinhas uma tenacidade impressionante que com as palavras ditas da tua mãe, orgulhosamente continuaste melhorar a escrita sabendo que era fulcral para ti em todos os aspectos de desenvolvimento :)
Grandes abraços carinhosos para uma pessoa maravilhosa que és tu, um beijão!
P.S-» só começei a dar importância na escrita aos 12 anos.
Querida Silence Box,
Adorei ler...muito Obrigada por partilhares connosco um momento bonito da tua vida.
e...mais uma vez...Parabéns...escreves maravilhosamente.
Boa semana.
Beijinhos
por mais tempo que passe sem ler e comentar os blogs... sempre que apareço neste cantinho fico simplesmente sem palavras... mesmo sem poderes ouvir, apenas ouvires sons disturcidos... e tens tanta força, tanto entusiasmo por continuar sempre a fazer melhor... o quanto eu desejava de ser assim :( cada vez mais apetece.m desistir de estudar... pois porque quanto mais tento ser boa existe sempre alguem que critica... os meus problemas de ouvidos influenciaram mt a compreensao e por isso nao sou tao boa como gostaria de ser :( mas pronto tento ser o melhor... mas a mim o entusiasmo da escrita so começou quando começei a escrever aqui no meu cantinho e no cantinho dos outros :)
bjinhus****
Lindo!!!
fiquei sem palavras para comentar a forma como descreveste um momento aparentemente normal, mas que tem tudo de especial...
Bjx e boa semana
Comecei a escrever cartas muito tarde, não tenho tão belas recordações de infância relacionadas com cartas. Quando as comecei a escrever os e-mails tinham quase instinto esse hábito da face da terra! Mas escrever uma carta é fazer um presente para alguém que se gosta( a sensação mais próxima da sensação infantil de abrir um presente é hoje para mim abrir uma carta).
E enviavas todas as cartas que escrevias em criança?
Beijinhos
Que lindo!
Bjk
Se as escreveste da maneira como escreveste este texto estávam concerteza muito boas. Bjocas.
Como é bom recordar momentos da nossa infância. Gostei imenso de ler este texto que também me traz à memória pedaços dum tempo que não voltará mas que guardo religiosamente.
Beijos.
Ler-te é ler uma prosa poética e ver a força interior que tens. Que mais posso eu dizer? Que adoro a tua sensibilidade:) bjs
...passei...não tens Post novo...aproveito e desejo-te um bfds
bjs
Desculpa as ausências, mas fui tia pela primeira vez e ando a curtir o sobrinho :)
Boa semana
Beijos da Lina
Apereci para te desejar um bom fim de semana SilenceBox, um beijão carinhoso :)
P.S-» tenho saudades de falar ctg
Como éque o mero relato da escrita de uma carta e a sua correcção consegue fazer-me arrepiar assim, Melrita!
És EXTRAORDINÁRIA! PARABÉNS!
Enviar um comentário
<< Home