domingo, fevereiro 19, 2006

A Floresta


Acabei sair de uma poça de lama, onde caí tropeçando num obstáculo. A água peganhenta, com um cheiro húmido de terra, escorre-me da cabeça aos pés. Ajoelho-me, sem forças, muda de exaustão. Nesta posição, ergo o meu olhar para o fundo à minha frente.

Ali está a floresta, continuando persistente e indiferente. As árvores altas, com as suas copas densas, estão juntas umas com as outras, com os seus ramos entrelaçados como se estivessem de mãos dadas. Os meus olhos semicerram atordoados…

Preciso entrar para dentro da floresta mas os galhos das árvores ignorantes e arrogantes, bloqueiam-me e arranham-me! Julgam-se superiores e donos da Terra, em que não toleram diferenças. Foi por eles que tropecei, enquanto combatia, e caí na poça.

As folhas estão a sussurrar umas com as outras. O que estão a conversar? Não sei. Falam em simultâneo. Fazer leitura labial às suas bocas, que articulam ao mesmo tempo, é me impossível. Pelo brilho delas a murmurarem, a sibilar ou a ondular, vejo que estão a discutir um tema interessante.

Perante este quadro, os meus sentimentos entram num turbilhão ensurdecedor, batem como ondas bravas e varrem-me furiosamente. Transformam-se em foguetes e explodem, gritando silenciosamente dentro de mim em desespero: “Quero fazer parte desta melodia! Quero rir como estão a rir. Quero descontrair-me como se descontraem de tanto prazer nas boas conversas. Quero ficar, horas a fio, a escutar deliciada como escutam maravilhadas…”

Não tendo outra alternativa e contra a minha vontade, resolvo interromper esta incandescência ruidosa:
- Olá! Estou aqui… O que estão a dizer?

Ignoram-me… Nem sequer reparam nas minhas gotas a pingar, nas minhas feridas arranhadas pelo corpo todo. Porque, de facto, o tema é bastante interessante e não devem perder uma pitada dele!

De repente, pelos cantos dos olhos, reparo que, ao meu lado esquerdo e direito, algumas árvores estão a abanar… Viro-me para olhar melhor o enquadramento intrigante. Estão a rir da minha voz! E outras estão curvadas de horror, com os olhos esbugalhados de espanto, exclamando “Que voz é aquela?”.


Até que uma delas, com a sua compaixão, chama-me:
- Anda cá… Vou te explicar.

Para a minha consternação, os seus lábios são estranhos e desconhecidos. A sua boca tem a forma da boca de um peixe em que se move sempre igual, quase parecendo que se está a sugar uma chupeta invisível.

- O quê? Desculpa mas não te percebo…

A árvore suspira e cala-se, desistindo de conversar comigo, evitando conhecer-me melhor. É uma árvore impaciente! Há muitas impacientes como ela… milhares!!

Quanto às verdadeiras árvores, que são dignas de serem regadas com a minha água, onde estão? São tão raras…

18 Comments:

Blogger @Memorex said...

Não desesperes SilenceBox, faz de conta q não ligues, apesar de a conversa ser interessante e nós sentadas no canto enevoado como se n estivessemos ali. Uma parede invisivel cheio de buracos tentando desesperadamente entrar no prazer da gargalhada.
Murmurios silenciosos penetram o sofrimento incansavelmente para dentro da honestidade da nossa alma. Quando a noite cai, a contrariedade é assaltada pela traição impotente do silêncio, disparando lágrimas de hostilidades enfurecidas.
Querida SilenceBox eu compreendo-te, pois não é só tu e eu há outras/os que também sentem uma dor e angustia por não ouvirem.

Um abraço terno especial e afectuoso da Memorex e muitos beijinhos em forma de corações meigos.

2:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um beijo.
Inês

11:59 da tarde  
Blogger Carla said...

As verdadeiras arvores podem ser raras, mas essas, as que te conseguem ouvir, e te embalam nos seus troncos, essas são as que realmente importam...
Bjx e boa semana

10:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Há sempre Boas árvores à escuta, mas por nem sempre as reconheceis e continuais o caminho...
mas é cada um que decide o seu caminho, não reparando nos "longos ramos prontos a acolher"

" O essencial é saber ver"
A. Caeiro

um Abraço, cris

2:49 da tarde  
Blogger Isabel Filipe said...

Querida Silence Box,


...esquece as árvores impacientes...elas exsitem por todo o lado...e não merecem que percas tempo com elas...concentra-te nas outras...que estão ao teu lado....

um beijo muito grande

4:23 da tarde  
Blogger Mitsou said...

Sabes que li o teu belíssimo texto revendo-me nele como em regato de água cristalina? É que, num mundo de ruídos, cada vez são mais preciosos os silêncios dos afectos mais eloquentes que tantas conversas. Deixa que a tua água regue as árvores que a merecem. Vamos caminhando pela floresta e são essas, as raras que connosco falam, que nos dão a sombra mas também nos deixam ver o sol por entre os seus ramos.

Um beijinho muito doce, de amizade e admiração, minha querida.

2:56 da tarde  
Blogger wind said...

Também existem árvores pacientes e acolhedoras. Só tens de as ver:) beijos

1:18 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

vou colocar hoje dia 26 um post para tu leres... espero que te ajude ;)
beijos a voarem ****

10:39 da tarde  
Blogger Isabel Filipe said...

Oi...
Bom Dia...
Queres colaborar com o Projecto Esperança?
Vê no meu Blog.
Obrigada e Beijos

11:22 da manhã  
Blogger eli said...

a floresta poderá ser densa, mas as árvores pertencem todas a espécies diferentes. A algumas, a grande maioria, talvez nem lhes chegue o sopro do vento.

meu beijo, grande, grande

5:41 da tarde  
Blogger Espanhol said...

A floresta está cheia de árvores... há umas que são verdadeiras outras que não o são...
As árvores verdadeiras são poucas, mas não tão poucas quanto tu pensas... a floresta é grande...

3:56 da manhã  
Blogger Menina Marota said...

Há a esperança, que nem todas as àrvores são secas e áridas...
Há ainda a esperança, que há árvores que nos abrigam, que nos protegem, mesmo que nem reparemos nelas...
Tal como a erva daninha, pode nascer em campos de belas flores...

Deixo um abraço carinhoso, comovida com o teu texto.

12:16 da tarde  
Blogger Isabel Filipe said...

...passei a deixar-te umbeijinho grande

3:15 da tarde  
Blogger Leonor said...

excelente metáfora. a floresta... a comunidade. e tu...

beijinhos da leonoreta

5:39 da tarde  
Blogger LUIS MILHANO (Lumife) said...

Em Alvito acontece...

Já somos 44...

Esperamos muitos mais...


Bom fim de semana

12:09 da manhã  
Blogger isabel mendes ferreira said...

a raridade é uma qualidade....rara...
bom dia.



abraço.

11:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

as arvores têm tantos anos... tenho uma aqui em frente à minha casa que é centenária... nada de especial, há tantas... Achas mesmo que são impacientes? Eu acho é que são cada vez menos, e se gostam de sorver cada gota tua, é porque lhes é essencial... e isso, minha cara, é bom!

5:48 da tarde  
Blogger Paulo Ribeiro said...

Mais do que o ver e o ar puro, é o silêncio dos sons da floresta que faz dela um lugar encantado.

3:02 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home